Documentos revelam que os EUA recrutavam ex-nazistas

Documentos revelam que os EUA recrutavam ex-nazistas

magal53
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The New York Times


Sam Roberts


Depois da 2ĀŖ Guerra Mundial, a contra-inteligĆŖncia norte-americana recrutou ex-funcionĆ”rios da Gestapo, veteranos da SS e colaboradores nazistas num nĆŗmero ainda maior do que havia sido revelado e ajudou muitos deles a evitarem processos ou permitiu que eles escapassem, de acordo com milhares de novos documentos confidenciais divulgados recentemente.
Com a UniĆ£o SoviĆ©tica avanƧando na Europa Oriental, "acertar as contas com os alemĆ£es ou seus colaboradores parecia menos premente; em alguns casos, parecia atĆ© mesmo contraproducente", disse um relatĆ³rio do governo publicado na sexta-feira pelos Arquivos Nacionais.
"Quando veio Ć  tona a histĆ³ria de Klaus Barbie, sobre sua fuga para a BolĆ­via com a ajuda norte-americana, achĆ”vamos que nĆ£o existiam mais histĆ³rias como esta, que Barbie era uma exceĆ§Ć£o", diz Normal J.W. Goda, professor da Universidade da FlĆ³rida e coautor do relatĆ³rio junto com o professor Richard Breitman da Universidade Americana. "O que descobrimos nos registros e que havia um nĆŗmero significativo, e que parecia mais sistemĆ”tico."
Em detalhes frios, o relatĆ³rio tambĆ©m conta a estreita relaĆ§Ć£o de trabalho entre os lĆ­deres nazistas e o grande mufti (acadĆŖmico islĆ¢mico que interpreta a sharia) de JerusalĆ©m, Haj Amin al-Husseini, que depois alegou ter buscado refĆŗgio na Alemanha durante a guerra apenas para evitar ser preso pelos britĆ¢nicos.
De fato, diz o relatĆ³rio, o lĆ­der muƧulmano recebia "uma verdadeira fortuna" de 50 mil marcos por mĆŖs (enquanto um marechal alemĆ£o recebia 25 mil marcos por ano). O relatĆ³rio tambĆ©m diz que ele recrutava muitos muƧulmanos para a SS, a elite do comando militar do Partido Nazista, e recebeu a promessa de que seria instalado como lĆ­der da Palestina depois que as tropas alemĆ£s expulsassem os britĆ¢nicos e exterminassem mais de 350 mil judeus lĆ”.
Mengele
Em 28 de novembro de 1941, segundo os autores, Hitler disse a al-Husseini que o Afrika Corps e as tropas alemĆ£s enviadas Ć  regiĆ£o do CĆ”ucaso liberariam os Ć”rabes no Oriente MĆ©dio e que "o Ćŗnico objetivo da Alemanha lĆ” seria a destruiĆ§Ć£o dos judeus."

O relatĆ³rio detalha como permitiram que o prĆ³prio al-Husseini fugisse depois da guerra para a SĆ­ria –ele estava sob custĆ³dia dos franceses, que nĆ£o queriam alienar os regimes do Oriente MĆ©dio– e como altos funcionĆ”rios nazistas escaparam da Alemanha para se tornar conselheiros de lĆ­deres Ć”rabes anti-israelitas e "foram capazes de continuar atuando e de transmitir a outras pessoas o anti-semitismo racial-ideolĆ³gico dos nazistas".

"Havia de fato um contrato entre os funcionĆ”rios do MinistĆ©rio de Exterior nazista com os lĆ­deres Ć”rabes, incluindo Husseini, que se estendeu para depois da guerra porque eles viram uma causa na qual acreditavam", disse Breitman. "E depois da guerra, havia verdadeiros criminosos de guerra nazistas – Wilhelm Beisner, Franz Rademacher e Alois Brunner – que eram muito influentes em paĆ­ses Ć”rabes."

Segundo o relatĆ³rio, em outubro de 1945, o chefe britĆ¢nico da DivisĆ£o de InvestigaĆ§Ć£o Criminal Palestina disse ao assistente de um oficial militar norte-americano no Cairo que o mufti poderia ser a Ćŗnica forƧa capaz de unir os Ć”rabes palestinos e "esfriar os sionistas. Ɖ claro, nĆ³s nĆ£o podemos fazer isso, mas pode nĆ£o ser uma ideia tĆ£o mĆ” nisso."

"Hoje temos relatos mais detalhados das atividades de al-Husseini durante a Ć©poca da guerra, mas o arquivo de al-Husseini na CIA indica que as organizaƧƵes de inteligĆŖncia dos aliados durante o perĆ­odo da guerra reuniram uma porĆ§Ć£o considerĆ”vel de provas incriminadoras", diz o relatĆ³rio.

"Essas provas sĆ£o significativas Ć  luz do tratamento leniente que al-Husseini recebeu no pĆ³s-guerra". Ele morreu em Beirute em 1974.
O relatĆ³rio, "A Sombra de Hitler: Criminosos de Guerra Nazistas, InteligĆŖncia Norte-Americana e a Guerra Fria", foi feito por um grupo formado por vĆ”rias agĆŖncias governamentais, criado pelo Congresso para identificar, revelar e divulgar registros federais sobre os crimes de guerra nazistas e sobre os esforƧos aliados para responsabilizar os criminosos.
Ele foi extraĆ­do de uma amostra de 1.100 arquivos da CIA e 1,2 milhƵes de arquivos de contra-inteligĆŖncia do ExĆ©rcito que sĆ³ foram revelados ao pĆŗblico depois que o grupo divulgou seu relatĆ³rio final em 2007.

"A Sombra de Hitler" acrescenta uma dimensĆ£o mais ampla Ć  histĆ³ria do Departamento de JustiƧa sobre as operaƧƵes norte-americanas de caƧa aos nazistas, que o governo se recusou a divulgar desde 2006 e que concluiu que funcionĆ”rios da inteligĆŖncia norte-americana criaram um "refĆŗgio seguro" nos Estados Unidos para alguns ex-nazistas.

Como os primeiros relatĆ³rios gerados pelo grupo, este faz um retrato sombrio da burocracia, das disputas de poder e das falhas de comunicaĆ§Ć£o entre as agĆŖncias de inteligĆŖncia.
Ele tambĆ©m detalha as decisƵes tĆ”ticas interesseiras e descaradamente cĆ­nicas dos governos aliados e uma predisposiĆ§Ć£o geral que determinava que alguns crimes de guerra de ex-nazistas e seus colaboradores deveriam ser ignorados porque seus suspeitos poderiam ser transformados em bens valiosos nas campanhas secretas mais urgentes contra a agressĆ£o soviĆ©tica.

O esforƧo da inteligĆŖncia norte-americana para se infiltrar no Partido Comunista da Alemanha Oriental foi apelidado de "Projeto Felicidade".

"Localizar e punir criminosos de guerra nĆ£o estava entre as mais altas prioridades do ExĆ©rcito no final de 1946", diz o relatĆ³rio. Em vez disso, ele conclui que a contra-inteligĆŖncia do ExĆ©rcito espionou grupos suspeitos desde os comunistas alemĆ£es atĆ© refugiados judeus politicamente ativos em campos de pessoas desabrigadas e tambĆ©m "se esforƧou para proteger certas pessoas da justiƧa".
Entre eles estava Rudolf Mildner, que foi "responsĆ”vel pela execuĆ§Ć£o de centenas, se nĆ£o milhares, de suspeitos membros da resistĆŖncia polonesa" e como comandante da polĆ­cia alemĆ£ estava na Dinamarca quando Hitler ordenou que os 8.000 judeus do paĆ­s fossem deportados para Auschwitz.
Mildner escapou de um campo de confinamento em 1946, e o relatĆ³rio levanta questƵes sobre se os agentes da inteligĆŖncia norte-americana deram "um tratamento leniente a Mildner que contribuiu de certa forma para que ele fugisse" e sugere atĆ© mesmo que ele pode ter ficado sob custĆ³dia norte-americana ajudando a identificar comunistas e outros subversivos antes de se estabelecer na Argentina em 1949.

O relatĆ³rio cita outros casos semelhantes Ć  experiĆŖncia de Klaus Barbie, conhecido como o AƧougueiro de Lyon. Ele cooperou com agentes da inteligĆŖncia norte-americana que o ajudaram a fugir para a Argentina.

Um desses casos envolve Anton Mahler, agente anti-comunista da Gestapo que interrogou Hans Scholl, o lĆ­der estudantil subversivo que foi decapitado em 1943. Mahler tambĆ©m serviu no Einsatzgruppe B na Belarus ocupada, que foi culpado pela execuĆ§Ć£o de mais de 45 mil pessoas, principalmente judeus.

"Essa admissĆ£o em seu prĆ³prio questionĆ”rio militar do governo dos EUA em 1947 foi ignorada ou passou despercebida pelas autoridades dos EUA e da Alemanha Ocidental", disse o relatĆ³rio.

Agentes norte-americanos recomendaram que Mahler e outros ex-nazistas fossem protegidos de processos criminais inspirados politicamente na Alemanha.

Em 1952, diz o relatĆ³rio, a CIA se mexeu para proteger Mykola Lebed, um lĆ­der nacionalista ucraniano, de uma investigaĆ§Ć£o criminal pelo ServiƧo de ImigraĆ§Ć£o e NaturalizaĆ§Ć£o.

Ele trabalharia para a inteligĆŖncia norte-americana na Europa e nos Estados Unidos durante os anos 80, apesar de durante a guerra ter se envolvido com unidades de guerrilha que mataram judeus e poloneses e de ter sido descrito por um relatĆ³rio de contra-inteligĆŖncia como um "sĆ”dico notĆ³rio e colaborador dos alemĆ£es."
TraduĆ§Ć£o: Eloise De Vylder

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